Com os personagens virtuais, não há limite: novas formas de interação e engajamento e um alto retorno sobre o investimento. Mas até que ponto vamos substituir a existência real?
Ela é uma mulher livre que viaja o mundo e pratica esportes, além de se autodefinir como uma “encorajadora de pessoas”. Satiko, a nova influenciadora virtual do mercado brasileiro, conta com pouco mais de um mês de vida e já acumula 20 mil seguidores no Instagram. No seu feed, publicidades com marcas parceiras como Coca-Cola e Renner e um belo futuro – virtual – pela frente.
Não seria tão fácil para Satiko se ela não tivesse o pedigree que tem: ela é a influenciadora virtual da apresentadora Sabrina Sato, que soma 31 milhões de seguidores no Instagram. Mas também nasceu no Brasil, segundo país na lista de consumidores de influenciadores virtuais.
Um dos pioneiros ao criar a ícone virtual Lu de Magalu em 2003 e um dos lugares que mais regulamenta a comunicação audiovisual. O Brasil apoia em larga escala o crescimento de artistas e personalidades em 3D.
“Foram muitos meses de produção e estudo. Junto com a Biobots, empresa responsável pela criação dos influenciadores virtuais, a idealização da Satiko passou por muitas fases de desenvolvimento. A cada etapa descobria mais sua figura e personalidade. Foi uma delícia criá-la”, revela a própria Sabrina Sato, sobre sua identidade virtual.
“Mudamos seus traços algumas vezes, pois as possibilidades são infinitas. Fiquei muito entretida durante esse período, e hoje, ao vê-la em ação, além de toda a aceitação positiva do mercado, tenho a sensação que estamos no caminho certo. A Satiko (e os demais influenciadores virtuais) são o futuro”, afirma Sabrina.
Idealização de si mesmo
Mas vamos por etapas. Para começar, o que significa um influenciador virtual? Segundo Christopher Travers, fundador do site que engloba todos os personagens virtuais do mundo, a Virtual Humans, “diferente de avatar, holograma, VTuber ou inteligência artificial, o influenciador virtual é um personagem digital criado em um software de computação gráfica que recebe uma personalidade definida por uma visão de mundo em primeira pessoa, acessível em plataformas de mídia para exercer influência”.
Ou seja, o prolongamento de uma marca, de uma celebridade ou de uma personalidade, ele não tem limites para alcançar a perfeição, pode estar em vários lugares ao mesmo tempo, atingir novos públicos e fazer coisas que a celebridade real não é capaz de fazer. E o melhor, com zero haters, zero julgamento, zero expectativas preestabelecidas, apenas novas possibilidades.
“Quem acompanha a Satiko nas redes sociais já viu um pouco do que ela gosta de fazer. Viajar para locais paradisíacos, cachoeiras, escaladas e até dar um rolê em Woodstock, essa é a grande maravilha dos influenciadores virtuais”, diz Sabrina.
“Somos parecidas em nossa personalidade plural e determinada, nossos traços físicos também são parecidos, mas suas possibilidades são infinitas. Satiko irá explorar tudo o que sempre tive vontade”. Sabrina Sato
Para ir mais além e entender o sentido de influenciador virtual no campo psicanalítico, aqui ele é visto como uma idealização do self. A virtualidade é analisada como algo parecido com um sonho. Como se nosso “avatar” fosse a idealização de um ser perfeito.
“A maioria dos sonhos, como diria Freud, são fruto de restos diurnos investidos afetivamente, que associados aos conteúdos recalcados no inconsciente, buscam expressão e realização de desejo”, explica Elcio Gonçalves, psicólogo clínico, psicanalista e membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae de São Paulo.
“O que a tecnologia e a virtualidade contemporânea viabiliza, seja nos corpos físicos, via cirurgias plásticas e recursos afins, ou no universo virtual, com a criação de um avatar melhorado de nós mesmos, é a possibilidade dos indivíduos experimentarem vias de exploração de desejo que não necessariamente se confirmariam numa realidade não virtual. O que torna os indivíduos cada vez mais distantes da vida como ela é, ou seja, da realidade objetiva, numa modalidade de universo paralelo”, diz Elcio.
A ideia é viver através do personagem tudo aquilo que desejamos, mas que por alguma razão estética, econômica ou moral não teríamos como realizar objetivamente.
O marketing digital no metaverso
Enxergando de um ponto de vista comercial, a criação de um influenciador virtual pode ser extremamente rentável. Capaz de conversar com diferentes públicos sobre diferentes assuntos, além de toda narrativa comunicacional de influenciar, eles têm um forte envolvimento com o NFT e o metaverso – a próxima etapa da internet, uma plataforma onde todos poderão se comunicar e fechar negócios em 3D.
Artistas de peso como Justin Bieber, Ariana Grande, The Weeknd e Travis Scott já realizaram ativações no metaverso. “Esses artistas gigantes, com toda sua influência, entenderam a importância desse novo tipo de experiência imersiva de outras dimensões e apostaram nessa tecnologia”, explica Sato.
“Temos um mercado promissor por aqui, com certeza a tendência é que os artistas desenvolvam seus influenciadores e traçam estratégias inovadoras para alavancar ainda mais engajamento e influência. Esse é o futuro, as interações estão se modificando ao longo dos anos. O momento agora é rumo ao metaverso. No ano que vem vamos falar ainda mais sobre esse tema”, resume a apresentadora.
Do lado das marcas, a reciproca é verdadeira. Segundo Daniela Penteado, expert da WGSN, empresa britânica de previsão de tendências, o marketing de influenciadores virtuais tem o poder de render um retorno sobre o investimento impressionante para as marcas, em uma taxa onze vezes maior que a mídia tradicional.
“A questão não é mais se uma marca deve investir em influenciadores, e, sim, em quem investir”. Daniela Penteado, da WGSN
“A internet está se transformando no metaverso, um espaço digital compartilhado que vai influenciar a cultura e o design, possibilitando novos modos de expressão e experiências. O metaverso será a plataforma de suporte para todas as nossas interações futuras, online e offline”, diz Daniela.
O espaço democratizará experiências antes inacessíveis e abrirá lugar para novas formas de interação social. No show de Lil Nas, por exemplo, os fãs puderam interagir com o avatar do cantor, criando memórias que foram compartilhadas em outras plataformas. Essas experiências são apenas um pedaço de um mundo de possibilidades que está prestes a se tornar realidade.
“Como um ecossistema interconectado, o metaverso permite que as pessoas pulem de um mundo a outro (do Fortnite ao Roblox, por exemplo, usando o mesmo avatar). No futuro, os clientes não só serão capazes de personalizar e se expressar por meio de seus avatares digitais, mas também poderão alavancar os mesmos avatares e produtos de moda em todas as plataformas”, detalha a expert.
Durante o confinamento no ano passado muitos festivais de música tiveram de acontecer no espaço virtual, o que acelerou a produção de metaversos culturais relevantes. Embora focados no entretenimento, esses eventos e experiências virtuais serviram para ver onde as marcas poderiam ser inseridas dentro desse novo universo.
Novos caminhos para os artistas
“A indústria musical está se reinventando no metaverso, já que novos talentos virtuais estão surgindo com enorme potencial de viralização. Inúmeros artistas virtuais surgiram recentemente, como a cantora digital japonesa Hatsune Miku e os grupos de K-pop aespa (girls bands), formado por integrantes humanos e suas cópias digitais”, explica Daniela, da WGSN.
Outras formas de publicidade também irão se desenvolver à medida que o metaverso evolui. Além de se tornarem mais conhecidas e promover o entretenimento, é interessante pensar no que mais as celebridades podem oferecer aos seus fãs.
Explorar maneiras de beneficiar a comunidade com o seu destino no metaverso. Mesmo no espaço virtual, as estratégias de marketing precisam ser naturais, não intrusivas, e agregar algum valor à comunidade.
“Influencers virtuais também já compartilharam suas músicas no Spotify, no qual uma das mais importantes da atualidade, Lil Miquela, tem 229.000 ouvintes”, diz. Em 2022, os artistas virtuais deverão chegar ao mercado de massa, uma tendência reforçada pelo lançamento da série “Alter Ego” na Fox, em que os participantes atuam como avatares.
Ainda segundo a expert, o artista ganha mais do que perde entrando no mundo virtual. O metaverso permanecerá um ponto de contato chave e redefinirá e estenderá os shows e o envolvimento dos fãs. As marcas devem construir seus próprios espaços virtuais que possam apoiar experiências e colaborações digitais.
O influenciador virtual na moda
Plataformas como o Fortnite e o Roblox estão na vanguarda desse movimento, firmando parcerias que fazem delas um ponto de encontro de marcas, influenciadores e jogadores. Vide o exemplo da Nike, que lançou uma coleção de tênis Air Jordan no Fortnite, ou da Marvel, que disponibilizou seus personagens como skins dentro do jogo.
A Farfetch, de olho na tendência, se tornou uma das primeiras grandes varejistas a testar a prática de seeding vestindo influenciadores digitalmente para promover o lançamento de sua oferta de pré-encomenda de marcas como Balenciaga, Palm Angels, Khaite, Off-White, Oscar de la Renta, Dolce & Gabbana, Nanushka, Casablanca e Nicholas Kirkwood.
Seguindo a onda, a Kering, a LVMH e a Richemont já se voltaram para o atacado e feiras digitais, enquanto empresas como Burberry, VF Corp e Tommy Hilfiger estão começando a exibir itens digitais em marketplaces.
Dessa maneira, os influenciadores virtuais existentes agora enfrentam a concorrência de marcas, que lançam seus próprios avatares gerados por computador. Yoox, o site de descontos de luxo online de propriedade do Yoox Net-a-Porter Group, lançou sua influenciadora virtual Daisy em 2018. Ela aparece em campanhas multimarcas usando peças da Calvin Klein e Tommy Hilfiger.
Em março deste ano, a empresa alemã de roupas esportivas Puma criou o influenciador virtual Maya para o Sudeste Asiático e para promover seus novos tênis Future Rider. Recentemente, Yasmin Sewell apresentou Ræ, um novo membro da equipe virtual de sua marca de bem-estar baseada no Reino Unido, Vyrao.
Outros projetos estão a caminho: a produtora Dimension Studio revelou que atualmente está trabalhando com marcas de moda e de beleza em projetos virtuais.
Um bom exemplo de influenciador virtual dirigido à moda é a Noonoouri, uma modelo virtual vegana de 21 anos baseada em Paris. Ela não só apareceu de forma independente no Instagram e no YouTube, mas também em desfiles de moda e campanhas publicitárias de marcas como Dior e Yves Saint Laurent.
“Sempre tive vontade de criar um personagem com o qual poderia me comunicar, e isso desde os meus cinco anos de idade. Com o tempo e vendo todos os influenciadores e blogueiros surgindo, senti que era hora de criar algo digital – mas não apenas ‘uma boneca’ – mas um verdadeiro personagem, com valores e princípios para defender”, explica Joerg Zuber, grafista alemão e criador da influenciadora.
“O digital une o mundo, e até mesmo durante a pandemia pudemos ver isso. Talvez um dia eu queira ser mulher, no dia seguinte um super-herói masculino e depois um dragão – no metaverso tudo é possível”. Joerg Zuber, grafista alemão e criador da Noonoouri
As vantagens de um personagem digital são infinitas. “Ele não adoece e está sempre na hora. O personagem pode trabalhar com pessoas diferentes e aproximá-las, participar de eventos e, ao mesmo tempo, reduzir a emissão de gás carbono e embalagens. Em vez de pré-produzir toneladas de material, podemos trabalhar e pensar de forma mais sustentável. Tudo isso não te parece ótimo?”, questiona o grafista.
Com certeza. A Satiko, por sua vez, está “acompanhando” a Sabrina em alguns eventos, mas ainda precisa seguir os passos da “mãe”. Sato confirma: “Estou a apresentando para todos, mas meu plano é que ela se torne independente e possa caminhar com seus próprios pés. Criando autonomia editorial, estabelecendo seus próprios interesses e engajando com quem tem afinidade, aos poucos ela vai conquistando seu espaço. Quem sabe ela me ajude futuramente indo no meu lugar a eventos… Seria demais”.
Sem perder a ternura
O metaverso veio como uma nova forma de negócios e de comunicação, mas não pode se tornar um escape do mundo real. “A vida continua, os problemas e felicidades continuam. Somos feitos de carne e osso, é preciso parcimônia para não se afastar da realidade”, resume a a apresentadora.
Segundo Elcio, no plano psicanalítico, os influenciadores nos ensinam que se não cabemos numa vida, devemos criar uma segunda, uma que siga em paralelo. Venda mais, consuma mais, faça cada vez mais dinheiro, mas em nome do quê mesmo?
“Cabe à nós mesmos nos perguntarmos onde será que imaginamos chegar substituindo a existência real com seus incômodos, dores e desconfortos? Nada substitui o prazer dos encontros, das realizações, das pequenas degustações dos momentos da vida, e, tudo, em suma, que faz parte de uma vida de verdade, de uma que valha a pena ser vivida”, finaliza o psicanalista.
Fonte: CNN Brasil
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